Partiu

Na carta de despedida
Três lágrimas amargas,
E uma palavra,
Sem dúvida, perdida:
Perdão.

Viagem de passagem

Coração, diz de andorinha,
Bateu as asas e voou.
Em algum canto dessa estrada,
Largado, sem pudor,
Em desatino a sofrer, só então perceber:
É, foi, amor.

Dica de chef

Quando for escrever o amor,
Use a mesma receita de brigadeiro.
No livro, para cada copo de leite,
Os ingredientes na exata sequência:

.2 colheres de açúcar;
.3 colheres de chocolate solúvel;
.Manteiga para untar;
.Granulado pra embrulhar;

No modo de fazer, siga os passos:

-Oito minutos no fogo, sem parar de mexer.
Atenção! Falta de cuidado embola a receita,
O doce queima, estraga.

Por fim, com carinho,
Escolha os melhores dias,
Modele-os em pequenas bolinhas.
E, com risos, encha-as de granulado colorido.
Embrulhe em uma caixinha e,
Antes que esfrie,
Bata na porta do vizinho,
E troque-as por beijinhos.

Jura

Se um dia duvidares do meu amor,
Peço que corras para a beira-do-mar.
Lá irás encontrar, em grãos,
A mesma proporção de beijinhos,
Que, com carinho, prometi dar na tua boca.

Retrouve

Quando o coração manda que sejamos fortes,

É sinal que ressurgiu a nossa vocação para as lágrimas.

Aí lembramos que em algum lugar da vida,

Deixamos um papel escrito:

“Esse é o meu último choro, a saudade morre aqui”,

Mas longe do sumiço, volvemos de água os olhos,

E só então percebemos que as nossas firmes promessas de retidão,

São as que mais uma vez se debruçam sobre o batente.

Quando as palavras se vão

Decidi que iria parar de escrever.
Coração perturbado e palavras,
Têm o mesmo risco de bebida e direção.

Agente fica na encruzilhada a vida toda,
E quando escolhe o caminho,
Vem um caminhão desgovernado,
E os pés que achavam ter ganho o mundo, desatam no chão!

Fica uma mala de couro cheia de lembranças,
Aquelas surradas sapatilhas vermelhas,
E de quebra, um coração todo amassado.

Só então agente percebe que pra remendar os frangalhos,
A solução é retomar com os próprios pés ao amor sem dor,
E como mendigo, tirar do bolso as duas palavras que restaram:
Perdão, voltei.

De dois

Bigamia é crime,
E coração partido, é o que?

Amor de dois, pode ser amor de três?
Ou será que dá cadeia?

Na dúvida, joga as alianças no lixo,
E manda o coração pro convento.

Novas regras gramaticais

Anunciaram!
Vão mudar a gramática.
A lei agora é fazer de nós dois, escrita.
Assim como quando pego as letras,
E vou colando, até virar poesia.

Indiquei a primeira mudança:
Tirarei a vírgula que nos separa.
Depois, vou virar a interrogação de lado,
Fazer de isca, e te puxar para o meu abraço.

Se fizer sol forte,
O circunflexo vai se prolongar,
E ao invés de cobrir só uma vogal,
Vai ser chapéu para ditongo, dois, em um lugar.

Mas se chover, aí não vai ter jeito!
Seu topete com gel em til vai desabar.
E mesmo se o trema prometer voltar,
Ainda não vai impedir da chuva nos molhar.

Completamente enxargados, pegaremos uma borracha.
Rapidamente, apagaremos os hífens e as aspas,
Então juntaremos a minha boca, e a sua boca,
Em muitos beijos, molhados.

Partida

Quando for dizer adeus,
Faça-o em palavras escritas,
Deixe-me um bilhete que diga:
"Amor, fostes doce, mas chegou a partida".
Pois só assim me iludiria,
Que não foi essa dor de mim,
Mas uma súbita loucura em ti,
Que me fez sofrer.

Criança na chuva

Quando a chuva cair,
Vou virar o rosto para o céu,
E cada gota, que cair devagarinho,
Vai me encher de carinho,
Como se fosse um beijo seu.

Feito flor

Ela é uma menina feita de flor:
Carrega as folhas na cabeça;
O perfume nos punhos,
As pétalas na pele,
E os espinhos no coração.

Cheiro em verso

Meu cheiro nunca foi suficente.
Talvez por não senti-lo,
Sempre quis um pouco mais.

Começei uma procura minuciosa de mão em mão,
Larguei-me nos delírios que cada essência,
E entre uma nuca e outra,
Todas me deram nauséas.

Tornei-me especialista na área.
Em dois tempos decifrava os cheiros,
E mesmo assim, nada completava.

Até que vi um vulto,
Que por não parecer humano,
Acolheu em mim a esperança do novo,
E corri loucamente à sua procura.

Foram dias de luta,
Até que paramos na porta do céu,
Um lugar feito de água, algodão-doce e você.

E quando você virou, e o vento bateu na sua face,
O seu perfume se misturou de imediato com o meu,
E descobri naquele momento, ter perdido em você,
A essência que me faltava.

O dia que meu avô se foi...

E agora, vô?
As ruas do Brás já não serão as mesmas sem você.
Toda São Paulo comovente virou um grande vulto,
E nesse conglomerado tá tudo vazio, cá dentro.

Vô, por quê?
A gente fez um acordo, não lembra?
Meus desenhos em teus tecidos,
Era pra virar "grife chick de gringo",
Era a nossa sociedade, vô!

Vô, por que eu só te conheci aos 12?
Foi pouco tempo pra nós dois...
Por que você comia tanto doce escondido?!
Era eu a responsável pela tua insulina! Falhei, vô.

Vô, em seis anos você meu deu tantos presentes,
E eu só te paguei dois pastéis no mercado central.
Por quê?

Primeiro você disse que eu ia ser atriz,
Depois você disse que eu seria apresentadora de TV,
E agora, vô? O que eu vou ser sem você?

Dentro desta caixa que te colocaram,
Tu te despedes sem poder ver todo esse concreto que tanto quisestes,
Então te digo aquelas primeiras, e agora, últimas palavras:
"O céu de São Paulo continua cinza, vô"
Mas nesse véu de desdém, agora sou eu quem chove.

Encontro

Quando todo meu amor,
Encontrar com todo o teu amor,
Eles se apertarão em um abraço.

Um anjo à primeira vista

Depois de duas notas,
Abri os olhos e vi:
Um anjo, envolto de azul e silêncio,
Fez a melodia aflorar em mim.

Nos seus cabelos me abracei,
Nos seus olhos mergulhei,
E antes da terceira estrofe,
Amei.

Soneto do minuto

Depois da curva,
O grito virou trem.
A moça, admirada com o belo,
Esqueceu de entrar, e ele partiu.

Depois de um minuto,
Colocando a mão no bolso,
Ela percebeu o roubo,
E deu um grito, no vento, solto.

Da janela, o moço sério,
Olhou-a com pena e mostrou o furto:
Um coração amassado.

Permaneceram em silêncio,
Até que o trem virou a curva,
E sumiu.

Perdão, querido

Não me basta todo o teu amar.
Não te afobes!
Assim você vai se afogar...
Respire fundo e escute,
Pela última vez vou dizer:
Sem o meu amar,
Não podemos virar par.

Duas lágrimas

Havia em mim duas lágrimas;
Uma se congelou por fora,
A outra, derreteu cá dentro.

Palavrei-me

Cansei das palavras poucas!
De puritano morreu o homem mudo.

Quero palavras muitas!
Palavras que me prendam e me condenem;

Palavras estravagantes;
Palavras que me punjam e estremessam;
Palavras doces que me elevem ao sublime...

Quero tanto as palavras!
Como perfume é pro cheiro,
Como seda é para o toque,
Como é o chocolate para a boca.

E confesso que até suporto se forem poucas,
Desde que carregem minha maior exigência:
Sejam palavras palavreadas só para mim.

Porcentagens

90% do meu corpo é coração.
Dos outros 10%, 100% é solidão.

Nosso amor

Precipitado e cheio de euforia,
Queria ter virado carta.
Mas foi se desbruçando em poesia,
E acabou no primeiro verso...

Puxando os cabelos

Faça-me tranças,
Esse cabelo pesado me cansa!
Carrego pique mil por hora dentro desses fios,
E só me embaralhado em nós sutis de desdém...

A escova passa e prende na amargura,
Os cabelos perdem os cachos, a formosura,
E fio a fio que cai se afasta minha inocência,
Aproximando-me da mesmície e miserável solidão.

Resposta

'Sim' e 'não' se confundem em minha boca;
Fazem com que ganhe amores perfeitos,
Mas com que perca os beijos que anseio...

Três versos

Perdi meus beijos no passado,
E prometi aceitar o carinho do vizinho,
Mas foi no amigo que encontrei o afago.

Entre o espaço, vazio

Não há mentira nas linhas,
Cada palavra é seu universo de verdade.
Como teia mal tercida,
Interpõe a estética à lascívia;
E do findar ao ponto que reinicia,
Fica sempre uma lacuna de saudade...

Miragem

Perdi parte de mim,
E meus sonhos ficaram na estrada;
E ao jogar os olhos ao redor,
Procurei em vão:
Era o fim do horizonte.

Pernidade

No caminho perdemos alguma coisa...
Talvez o tempo, que nos fez velhos;
Quem sabe o sorriso, ocupado pelas lágrimas;
Poderão ter sido as rosas, que sumiram nos espinhos;
Ou então amor, que se borrou nas cartas.

Enfim,
Não sei bem o que aconteceu,
Não sei aonde por certo fomos parar;
Mas acho que no caminho,
Acabamos por perder o próprio caminho...

Pintura Antiga

Nossas mãos se separaram;
O desenho do quadro desbotado:
Foi o vento e o tempo,
No desgaste da tinta, o lamento.

Lágrimas pintadas à óleo,
Aparentemente secam e cessam
Mas quando se toca a imagem
Elas rolam e o rosto desfiguram.

O borrão indefine o que foi
E o amigo some na estrada
A distância aperta o coração
"Não estamos mais de mãos dadas..."

Resta um pincel;
O pintor dele se aproxima
Duas cores e uma dúvida:
"Vale a pena refazer?"

Que diferença faz?!
Não importa se não estamos de mãos dadas;
Pois de nada valem as mãos,
Quando os corações estão separados.
 
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